A MINHA EXPERIÊNCIA NO MOSAIKO JUNTO DAS COMUNIDADES

Faz algum tempo que a irmã Maria Fernanda lançou o apelo convidando-nos a escrever alguma coisa a ser partilhada na nossa página MDR.

 

O difícil é sentar e organizar as ideias do que pretendemos partilhar com as irmãs devido ao “excesso” de compromissos. Entretanto animei-me a escrever este pequeno artigo para falar um pouco da minha experiência com as comunidades e grupos desde o trabalho com o Mosaiko.

 

Para aquelas irmãs que não conhecem, o Mosaiko | Instituto para a Cidadania, é uma organização fundada pelos frades Dominicanos em 1997 em Luanda, com a sede no Km 12, Bairro da Estalagem, município de Viana, no seu compromisso de «contribuir para um país melhor, um país que se constrói com um pouco de todos nós» (como filosofia de trabalho), desenvolve grande parte do seu trabalho fora de Luanda, um pouco por todo país, com o objectivo de promover uma cidadania mais consciente e activa que passa pelo conhecimento e reconhecimento dos seus direitos e deveres, tendo em vista que a “grandeza de um país mede-se na grandeza do seu Povo” e o respeito pela dignidade humana é e deve ser a base e o fundamento de toda e qualquer sociedade.

 

Com a declaração do Estado de Emergência imposta pela Pandemia da COVID-19 e com a imposição da cerca sanitária de Luanda com o lema. «Fica em Casa», isto em Março de 2020, o Mosaiko e os seus colaboradores viam o seu sonho a apagar-se pois, sendo uma organização sem fins lucrativos, acreditava-se que nenhum financiador continuaria a investir em “saco roto”, apoiar projectos sem execução. Ficamos todos confinados e um tanto quanto desorientados porque não sabíamos o que fazer nem quando ia terminar tal situação. Fomos obrigados a gozar férias mesmo sem sair de casa, enquanto a Direcção desenhava estratégias de implementação do sistema de teletrabalho. Mas claro, para algumas áreas específicas em que o trabalho deve ser feito na sede, não havia quase trabalho que compensasse e justificasse a remuneração, facto que obrigou mais uma vez a Direcção sentar-se e ver que políticas implementar através várias negociações e renegociações com os colaboradores (funcionários) e com as instituições financeiras dos projectos em curso.

 

Para alguns de nós que trabalhamos na área da protecção dos direitos humanos e aconselhamento jurídico, passamos a efectuar os aconselhamentos a distância, isto é, via telefónica.

 

Como era feito o procedimento para os aconselhamentos? O Departamento de Informação e Edições (DIE) lançava a informação com os contactos e o correio electrónico do Mosaiko na página do Facebook do Mosaiko e as pessoas iam se inscrevendo deixando os seus contactos e as suas preocupações. O gestor da página distribuía os contactos para cada um de nós (advogados) e assim fazíamos os aconselhamentos a distância e enviar os relatórios no final de cada semana. Para a sua efectivação, a tesouraria disponibilizava um determinado nº de cartões para fazer fácil às solicitações.

 

Tendo terminado esta fase, outra experiência marcante, foi depois da Declaração da Situação de Calamidade Pública que permitia as instituições retomar o ritmo normal de trabalho com a salvaguarda de algumas medidas como: o uso obrigatório da máscara, o álcool gel e o distanciamento.

 

Para nós formadores e advogados, tinha chegado a hora de sair ao encontro das comunidades e dos Grupos Locais de Direitos Humanos (GLDH), parceiros do Mosaiko. Era o mês de Outubro de 2020. O Conselho de direcção convoca uma reunião e cola as questões: como estamos? Quem está disposto/a a sair? Nos sentimos com coragem para fazer o teste, passar a cerca sanitária e trabalhar com os grupos fora de Luanda?

 

Embora com algum medo e incerteza porque não sabíamos também qual seria a reacção das pessoas em receber gente de Luanda porque este era o epicentro da COVID-19, lá dissemos que sim e nos apontamos para fazer o teste. Marcou-se a data e a hora do teste, eramos um total de sete (7) colegas. E agora, quem vai ser o primeiro a testar? Estávamos todos com medo de ter o diagnóstico positivo e ir parar no centro de internamento em quarentena e isolamento obrigatório. Um dos colegas diz: «a irmã Ima é a mais velha do grupo, vai primeiro». Lá fui eu, apresentei os meus dados para proceder a recolha de sangue e em seguida saia o resultado negativo o que significava que eu estava apta para viajar. Por fim toda a equipa fez o teste estava apta para viajar com destino as províncias de Benguela e Huila.

 

Reacções dos grupos e participantes:

Para alguns, felizes porque tinha chegado a hora de retomar as formações com o Mosaiko e ao mesmo tempo que era uma oportunidade para apresentar as suas preocupações relacionadas com a violação dos direitos humanos por parte de algumas instituições e órgãos de segurança e defesa nacional concretamente a Polícia Nacional e as Forças Armadas, durante a quarentena.

 

Para outros, a nossa chegada representava uma ameaça, um risco de contágio e, para garantir a sua segurança exigiam a exibição do resultado do teste da COVID-19. E tivemos de apresentar para assegurar-lhes que tínhamos cumprido todas as formalidades.

 

 Para terminar, gostaria de dizer que o trabalho com as comunidades do interior, é um pouco cansativo pela sua localização, são necessárias longas horas de estrada e algumas em péssimas condições, mas é ao mesmo tempo um trabalho gratificante. Gratificante porque são lugares onde quase ninguém quer ir porque não tem nada que interessa aos seus olhos, nada para encher os bolsos.

 

Para algumas comunidades, ainda hoje, direitos humanos é para as pessoas civilizadas, pessoas das cidades, que têm nível. Ter acesso à informação, energia, água potável, participar numa sessão de formação sobre o direito ao registo de nascimento, à educação, etc. é para algumas pessoas. A mulher sobretudo, esta não conta para nada e algumas vezes mesmo quando são convidadas não abrem a boca porque ainda acham que quem deve tomar a palavra e falar é o homem, a mulher deve calar.

 

Nos últimos tempos as nossas formações tem sido no âmbito das políticas públicas inclusivas com maior enfoque para as questões de gênero, incutir nas pessoas, fazer-lhes perceber que a opinião daquela mamã do campo, da zungueira, do menino que vende cigarros, carvão, que anda a pastar o gado, engraxa sapatos para sobreviver também conta e tem a mesma dignidade e direitos, é uma batalha constante.

 

Para mim, enquanto formadora em direitos humanos, o facto de puder falar para as pessoas de diferentes níveis de conhecimentos e status sociais (representantes de governos locais, académicos e cidadãos simples da comunidade), tem sido um desafio e ao mesmo tempo uma grande oportunidade para aprender, crescer e chamar a consciência de todos que o país só caminha com a participação e contribuição de todos e todas (homens, mulheres, jovens, governados e governantes).

 

Sou a favor, luto e lutarei por um mundo melhor, mais justo, sem discriminação em função da cor da pele, língua, grau de instrução, nacionalidade, condição económica, … e quero terminar com a máxima de Martin Luther King “O que me preocupa não é o grito dos maus, mais o silêncio dos bons…” associado ao dizer de S. Paulo, na sua primeira Carta aos Coríntios 9, 16 “… se anuncio o evangelho, não tenho de que me gloriar, porque me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o evangelho!”.

 

Obrigada pela vossa paciência e atenção!

Francisca Imaculada

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