“Rabi, onde vives? Jesus disse-lhes: «Vinde e vede.»”
- Hnasmdro
- noviembre 26, 2024
- Experiências MDR
- 0
- 15
Ana, é mulher e mãe de três meninas e um menino. Vive com a sua família numa casa feita de esteiras, chão de areia e com telhado de plástico e cartão. Ela não foi à escola e trabalha ganhando dez soles por dia. A ceia que recebe no seu trabalho a troca por uma passagem de regresso a casa ou guarda-a para os seus filhos. Rolín, o seu marido e pai dos seus filhos, trabalha como mecânico na capital ganhando cem soles por semana, dinheiro que tenta enviar para sustentar os gastos da sua família. Ana não tem documento de identidade, a ela não se lhe respeitou o direito à identidade nem à cidadania. Não existe oficialmente no seu país, apesar de ter vivido os seus 31 anos nele. No entanto, Ana, como muitas mulheres e homens que sustêm o Perú, tem uma grande vontade para aprender a ler e escrever, e busca diariamente que as suas condições de vida melhorem para que a sua família se reúna novamente. Por famílias como as de Ana, Vilma, Gisela, Ângelo… é que apostar pelo Reino de Deus tem vigência e sentido hoje. Elas/os são as/os privilegiadas/os do projeto de Jesus.
“Foram, viram onde vivia e ficaram com Ele aquele dia. Eram pelas quatro da tarde.” Procurava neste mês aprofundar a minha experiência vocacional adentrando-me na vida comunitária, nas missões e intentando confiar no que Deus tinha preparado para mim neste tempo. Também implicou deixar que a Ruah sopre e que Deus tome o controle das minhas reflexões e ações, apesar das minhas resistências. E como o Pai é bom, deu-me mais do que esperava. Viver esta experiência permitiu-me identificar, um pouco mais, o centro da minha vocação que vai ganhando sentido na vida dos meus irmãos/ãs mais pequenos/as; assim como reconhecer que o meu desejo de Deus é anterior às minhas próprias experiências fundantes: “Antes de formar-te no seio da tua mãe, eu já te conhecia; antes de que tu nascesses, eu te consagrei…” Também reconheci que todos/as temos uma ideia sobre que é a vida religiosa, muitas vezes guiada por nossos estereótipos e conhecimento limitado da experiência, e sobretudo porque esquecemos que Deus abraça a nossa diversidade e com maior razão a nossa liberdade.
“Todos os dias se reuniam no templo com entusiasmo, repartiam o pão em suas casas e partilhavam as suas refeições com alegria e com grande humildade de coração.” Nos últimos anos, de algum modo, aprendi da experiência comunitária. A União Nacional de Estudantes Católicos, com a minha comunidade “Todos os Sangues”, significou a aposta por acompanhar, deixar-me acompanhar e arriscar a confiança num grupo de pessoas com as que partilhamos uma parte da nossa vida, a eucaristia e uma série de reflexões e compromissos, a partir do nosso caminhar cristão e cidadão.
Em Brenha, hoje convivo com duas companheiras, com quem coincidimos no processo de independência, na organização do lar e nas nossas apostas de cidadania por construir um país menos desigual. Estas experiências ofereceram-me alguns elementos para a abertura a novas dinâmicas comunitárias. Nesse sentido, a convivência na comunidade de Huacho foi muito agradável. Susana, Hilda, Peto e Chanceline tornaram a minha estadia muito acolhedora e significativa. Ainda que ao início com timidez, pouco a pouco fui-me integrando na quotidianidade das atividades e partilhando com cada uma. O seu carisma e a experiência de viver em Jesus são um testemunho vivo de compromisso e exemplo para as minhas próprias buscas. “Senhor, tu me entregaste cinco talentos, mas aqui estão outros cinco mais que ganhei com eles.” Desenvolvi a minha missão com a Pastoral Juvenil de Lima, no colégio Santa Rosa e na associação de vivendas Sol e Mar de Huacho.
Partilhamos o cinco de maio com a pastoral juvenil de Lima num atelier que lhes permitisse afiançar o seu compromisso cidadão, aprofundando o vínculo que tem com a sua fé. Acompanhamo-los com três testemunhos de amigas/os que têm uma participação ativa na construção do Reino, ainda que as suas apostas venham de inspirações diversas. Depois, no colégio Santa Rosa havia que apoiar na preparação das estudantes de quarto e quinto de secundária para o Fórum “Jovens de Paz, transformadores da sua realidade”. Os ateliers estavam orientados para conseguirem reconhecer os problemas do entorno nacional e local; depois, apresentavam possíveis saídas a estes contextos complexos através de uma dinâmica de simulação de eleições. Finalmente, tinham que identificar a existência de iniciativas importantes que impulsam a cidadania, para melhorar realidades em diversas frentes; e como a escola, com projeção social e outras atividades, se vai somando a esses esforços. De ambas experiências me surgia a pergunta: “como conseguir que o compromisso transcenda a uma forma de viver e não fique apenas como uma boa experiência no colégio?” Suponho que há diversos fatores que intervieram nisso, mas continuarei a aprofundar.
“…quanto fizerem a algum dos mais pequeninos destes meus irmãos, a mim o fizeram.” Sol e Mar é uma associação de vivendas que não conta com serviços básicos e a maioria das famílias vive em situação de pobreza. Na zona há um colégio de primária que agrupa a mais de cinquenta meninos e meninas de diversas idades. O vínculo entre a Congregação e a escola foi-se formando pouco a pouco e hoje há dois projetos que vêm à luz. As raparigas do 5º de secundária do colégio Santa Rosa dão aulas de inglês, todos os sábados para as/os estudantes de Sol e Mar; e às segundas e terças feiras as/os voluntárias/aos da Faculdade de Educação da Universidade Nacional José Faustino Sanchez Carrión dão sessões de reforço em leitura e escritura. Tive a oportunidade de acompanhar o processo prévio à primeira data de ambas ações voluntárias, sendo testemunha do compromisso que se vai criando em cada um dos participantes e a dedicação com que preparam os materiais para as crianças.
“Não existe autêntica opção pelo pobre, se não existe amizade com o pobre.” Também realizamos visitas domiciliárias às famílias dos estudantes que participam no programa de reforço escolar. Estas visitas nos permitiram encontrar-nos, escutar as suas histórias e conhecer de perto os seus contextos. Descobri vidas marcadas pela dor e injustiças, mas também cheias de grande capacidade de resiliência, sendo protagonistas de mudança nas suas famílias. Para mim, estes encontros foram o mais significativo de toda a experiência. Deus se revela na história e particularmente na minha, na vida dos meus irmãos/ãs mais humildes e reconhecê-lo é afirmar que são os seus preferidos, são os elegidos para a boa notícia. “Sou pão, sou paz, sou mais…” O meu coração fica completamente agradecido com o bom Pai, com a comunidade de Huacho e com todas as Irmãs da Província Ramón Zubieta e Lés que me tiveram presente nas suas intenções. De maneira especial com Susana V., que vai acompanhando os meus passos neste discernimento tão humano, guiado pelo Espírito que se revela nas suas palavras; obrigada por acolher as minhas inquietudes sempre com abertura e fazer que este processo seja transitado desde a liberdade e o amor.
Depois de muita reflexão e oração, compreendo que tentar entender tudo hoje não é possível, o mistério da chamada de Deus revela-se no humano, mas vem do divino. Esta revelação de Deus na minha vida é uma boa notícia e um sinal de esperança que cresce no meio de tanta dor humana. Neste tempo, quero continuar a aprofundar na espiritualidade dominicana e fortalecer a identidade da Congregação, de modo a permitir-me afiançar compromissos, despejar inquietações e continuar conhecendo esta opção de vida. Vou sem pressa, mas sem pausa.
Experiência recolhida por Milagros